Coram Deo
A Phronesis de Cristo e o Fazer Artístico
Ao longo das ultimas semanas, explorando a ideia de Inspiração, descobrimos que talento é algo interno que desenvolvemos e que a inspiração não tem origem externa. Assim, o artista cristão ‘encontra’ inspiração ao estar responsivo ao Espírito Santo. Consideramos também que o desenvolvimento do talento se dá no trabalho e que, por isso, precisamos das virtudes. Para sermos virtuosos é necessário de phronesis. Nesse artigo, vamos explorar o que isso significa para o artista cristão.
In.Spira.tio — ep4: Sobre Dom, Talento e Trabalho
Primeiro precisamos definir Phronesis como o discernimento para saber quando e como precisamos exercitar uma determinada virtude. Do mesmo modo que precisamos saber qual remédio e em qual dosagem é o tratamento certo para um mal no corpo. As decisões corretas, com tempo e prática, se tornam uma segunda-natureza e nos tornamos sábios.
A phronesis de Cristo e o amor a Deus
Apesar do conceito vir da filosofia aristotélica, os teólogos da Patrística e medievais usaram muito essas ideias. Isso porque eles percebiam sua presença no Novo Testamento, especificamente nas carta de Paulo (que, sabemos, estudou os gregos).
O apóstolo Paulo explora essa ideia na carta aos romanos (6:19–20), expondo que, ao homem miserável, falta a phronesis. Depois, escrevendo aos filipenses (2:5), diz que precisamos ter a mesma phronesis de Cristo. Nos versículos seguintes, Paulo aponta que a phronesis de Cristo é a sua humilhação que acontece na Encarnação, o que se manifesta em nós como o serviço ao próximo em obediência a Deus.
Para Agostinho, devemos buscar o “governo da alma sobre o corpo e o governo de Cristo sobre a alma”. Logo, o que nos leva às virtudes não é simplesmente o controle de si mesmo, mas o amor a Deus e ao próximo. É o amor, a maior de todas as virtudes, que pode nos levar a algum tipo de domínio próprio, em oposição à busca por condições materiais que proporcionam mais prazeres e conforto. É através das virtudes que batalhamos contra os nossos vícios, isto é, nos opomos a fazer o mal (Rm 7:15–20).
A partir de Tomás de Aquino, podemos considerar que há dois tipos de virtude: as simpliciter, que adquirimos pelo hábito (semelhante a Aristóteles), e as infundidas, que só alcançamos pela obra divina em nós. Esse segundo tipo de virtude, que podem ser entendidas como beatitudes ou frutos, tem como raiz o amor, são recebidas pela união da alma com Deus e são essenciais para uma vida de real florescimento que é plena na vida eterna.
Assim, só podemos buscar verdadeiramente a Phronesis de Cristo se formos realmente seus discípulos, se o amamos acima de todas as coisas, se o Espírito age em nós.
A phronesis no fazer artístico do discípulo
O que isso tem a ver com o trabalho artístico? Já entendemos que a inspiração do artista cristão está em ser responsivo ao Espírito Santo. Consideremos então que precisamos ter uma vivência real como discípulos de Cristo para que isso aconteça.
Não é sobre o tema da obra (qualquer um pode pintar uma cena bíblica, mesmo quem não crê nas escrituras). Não é sobre se obra está na congregação ou na galeria (ter o rótulo ‘gospel’ não significa muito, a gente sabe). Também não é somente sobre a ‘cosmovisão’ (conjunto de crenças fundantes) do artista. É sobre o que amamos e como isso é refletido na nossa obra. Somente um verdadeiro discípulo de Cristo estará responsivo ao Espírito.
Se realmente amamos a Deus sobre todas as coisas, serviremos o Reino. Se amamos outra coisa, serviremos ídolos. Assim, a pergunta principal do artista cristão não é ‘como servir ao Reino com a minha arte?’ mas sim “onde está o meu coração?”
In.Spira.tio — ep 5: O Artista Virtuoso
Referências
BEGBIE, Jeremy. Voicing Creation’s Praise: towards a theology ofthe arts. Continnuum, 2000.
BESSER-JONES, Lorraine; SLOTE, Michael (org). The Routledge Companion to Virtue Ethics. Taylor & Francis, 2015.
MACINTYRE, Alasdair. Depois da Virtude: um estudo sobre teoria moral. Vide Editorial, 2021
SMITH, James K A. Desejando o Reino. Vida Nova, 2018
SEERVELD, Calvin. A Christian Critique of Art and Literature. Wipf & Stock Pub, 2019.