O Problema com Nossos Amores na Babilônia

Aprendendo a amar corretamente

Reflectum
5 min readJun 7, 2024

Se são os amores que distinguem entre a cidade terrena e a cidade celestial, são nossos amores que nos tornam pertencentes a uma cidade ou outra. Precisamos estar atentos a como a Babilônia nos influencia em nossas rotinas e hábitos.

Neste artigo da temporada ‘ Às Margens da Babilônia’, vamos falar sobre o que são ‘amores ordenados’ a partir de St Agostinho e James K A Smith.

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Somos seres que amam

Para começarmos essa conversa, é preciso entender que o ser humano não é apenas um ser racional. Não adiante falarmos só sobre ‘cosmovisões’ porque o ‘embate’ entre cosmovisões não está no ‘reino das ideias’. Se não entendermos isso, será impossível perceber como a Babilônia nos influencia. Vamos considerar uma antropologia agostiniana a partir de James K A Smith. isto é, uma antropologia que considera o amor e a imaginação como fundamentos para orientar nossa ação no mundo.

O centro condutor da ação e do comportamento humano é uma convergência de amores, anseios e hábitos que, debaixo do capô, por assim dizer, estão em atividade sem que haja necessidade de pensar neles. Esses amores, anseios e hábitos orientam e impulsionam nosso ser-no-mundo — James Smith, em Imaginando o Reino

Amores (des)ordenados

A partir de Agostinho, vamos considerar a existência de dois amores: 1) amor a Deus e ao próximo e 2) amor a si mesmo, que leva ao desprezo de Deus

Nosso coração, nosso centro de existência, é orientado sobretudo pelo desejo, pelo que amamos, e nossos desejos são formados e modelados pelas práticas formadoras de hábito das quais participamos. Essas práticas são os ritmos e rotinas que nos tornam pertencentes a uma comunidade e que, com o tempo, sem percebermos, preparam e modelam nossos desejos e anseios mais fundamentais. Assim, nossas práticas nos moldam naquilo que amamos.

Quando afirmamos a doutrina da Imago Dei, que o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, dizemos também que fomos criados como uma impressão finita do divino. Se nossos amores estivem ordenados, então nossas práticas nos tornaram mais parecidos com Deus. Isso podemos chamar de santificação.

Porém, com a Queda a Imago Dei foi corrompida pelo Pecado. Agostinho diz que isso provocou desordem em nossas afeições com 4 alienações: 1) teológica: nossa relação com Deus; 2) psicológica: uma perda de sentido interno; 3) social: tensões na relação com o próximo (machismo, nacionalismo, racismo, abuso, inimizades, exploração, etc…); e 4) física: corrompe a relação com a natureza (exploração destrutiva do meio ambiente). Isso significa, que vivemos em um mundo de amores desordenados que buscam “resolver” ou “justificar” essas alienações por esforço próprio, construindo Babel. Os amores desordenados tentam encontrar a shalom que só em Deus podemos ter e assim formam uma versão destorcida dela centrada em deuses falsos.

Levanta-se a questão: por que, nós cristãos, somos (con)formados, com tanta frequência, com o mundo? A verdade é que somos influenciados pelos ritmos da Babilônia. Infelizmente, nosso coração desordenado está pronto para gerar teorias ex post facto que nos consolam e justificam nossos desejos desordenados. Criamos justificativas teológicas para os amores desordenados porque isso é mais fácil do que confrontar o nosso coração, confessar nossos pecados e mudar nossas práticas.

Se nossos amores estiverem ordenados, seremos, cada vez mais, como Cristo que é a imagem perfeita do Pai. Quando a bíblia nos chama a ter a mesma phronesis de Cristo (Fp 2:5), isso significa, ter Cristo como fonte de sabedoria para discernir dentre nossos ritmos, rotinas e hábitos quais nos tornam mais parecidos com Ele e quais estão nos conformando com a Babilônia. A phronesis de Cristo é o amor a Deus e ao próximo corretamente ajustados e ordenados.

O que significa amar corretamente

Porque se você é o que você ama e o amor é uma virtude, então o amor é um hábito. Isso significa que nossa mais básica orientação para o mundo — os anseios e desejos que nos guiam rumo a alguma versão de uma boa vida — é formada por meio da imitação e da prática. Isso possui implicações importante a respeito de como abordamos a formação cristã e o discipulado. (…) nossos desejos são mais facilmente apreendidos do que ensinados. Todos os tipos de ritmos e rotinas culturais são, na verdade, rituais que funcionam como pedagogias do desejo, precisamente por nos treinarem, de forma tácita e velada, para amar alguma versão do reino. Ensinam-nos a desejar algum versão da boa vida. Essas coisas não são apenas algo que fazemos: elas fazem algo a nós. — James K A Smith, em Você é aquilo que você ama

A verdade é que a prosperidade da humanidade (shalom) depende de uma relação dialógica com o Criador. Nossos amores desordenados nos levam a buscar essa shalom em outros lugares. Porém, somos criaturas, encontramos nosso propósito no Criador. Isso significa que florescemos quando seguimos o propósito ordenado por Deus pois fomos criador para um fim específico definido pelo Criador. (At 17:28)

Na verdade, a visão bíblica de prosperidade humana implícita na adoração significa que somos livres apenas quando nossos desejos são corretamente ordenados, quando são delimitados e direcionados para o fim que constitui nosso bem. — James K A Smith, em Desejando o Reino

Somos chamados para imitar Cristo e isso só acontecerá quando amarmos a Deus corretamente e amarmos ao próximo como devemos. Porém buscar a imagem de Cristo, ou seja, a santificação, não é um acontecimento. Não é um culto especial que vai ordenar nossos amores da noite pro dia e uma vez por todas. São os ritmos e rotinas e hábitos que construímos e mantemos que devem estar centrados em Cristo. É por isso que as disciplinas espirituais são parte importante da nossa caminhada, tantos as individuais quanto as comunitárias. Estamos em um longo processo escatológico, isto é, não se completa nesta vida. A formação cristã nunca estará completa em nós ainda neste século.

Ser discípulo de Jesus não é simplesmente pôr ideias, doutrinas, e crenças corretas na cabeça, para que isso propicie o comportamento adequado; pelo contrário, é uma questão de ser o tipo de pessoas que ama da maneira certa — que ama a Deus e ao próximo, e sua postura em relação ao mundo é guiada pela primazia deste amor. James K A Smith, em Desejando o Reino

A temporada ‘Às Margens da Babilônia’ vai até 19.07 com novos artigos toda sexta-feira. Visite também nossa exposição virtual!

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“Rogo-vos pois [artistas] que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, esta é a [sua obra de arte]. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente…” Rm 12:1–2

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