Soli Deo Gloria

O Testemunho do Artista Cristão na Babilônia

Produzindo uma nova cultura rumo à Nova Criação

Reflectum
6 min readJul 12, 2024

Como o artista cristão pode contribuir para a shalom da cidade? Nas diversas linguagens artísticas como arquitetura, artes visuais, música, artes performáticas, cinema e literatura, podemos participar da construção de uma Imaginação Escatológica rumo à Nova Criação.

Neste último artigo da temporada “Às Margens da Babilônia” vamos considerar como o artista cristão pode contribuir para a shalom da cidade a partir da Teologia Kintsugi de Makoto Fujimura.

Visite também nossa exposição virtual!

A cultura partida na Babilônia

A direção específica de culturas é religiosa e orientada temporalmente pela fé e a confiança última de grupos humanos. Segundo Justo Gonzales, é o culto que forma o cultivo.

Desde a Queda, vemos o ser humano tentando viver sem Deus. Isso se torna mais claro em Babel (Gn 11:1–9), que nos revela como a condição humana é rebelde contra Deus. Há um amor a si mesmo e o desprezo a Deus, o que Agostinho aponta como a definição da Cidade Terrena.

O ser humano, no desejo que reverter os efeitos da Queda por seus próprios esforços, desenvolve sistemas corruptos que se impõe contra Deus. A ‘cidade terrena’ de Agostinho começa com a Queda. Seus sistemas culturais estão fundados em amores desordenados. Esta é a Babilônia. Ela deseja existir fora de Deus, tentando ‘consertar’ os efeitos da Queda por seus próprios esforços.

Leia também: Um Conto de Duas Cidades

Teologia Kintsugi

Kintsugi é uma antiga técnica japonesa de consertar utensílios de chá de cerâmica com ouro, tornando a peça mais valiosa do que o objeto original. Remonta ao séc 16 e à estética de Sen no Rikyu. A história mais antiga sobre a origem do kintsugi fala de um ato sacrificial de misericórdia.

Makoto Fujimura, artista contemporâneo e cristão, nos apresenta a Teologia Kintsugi. A noção de uma ressurreição temporária que aponta para uma ressurreição permanente. Lembremos que esta Criação não será destruída na Consumação de todas as coisas. Nós não vamos para o Céu. O Céu virá a nós. A Nova Jerusalém desce do Céu. Vamos da Criação à Nova Criação por um caminho de amor que semeia generatividade. Assim, devemos buscar pela Nova Criação ao nosso redor. Nossa Imaginação Escatológica deve troca uma fantasia apocalíptica escapista por uma imaginação divina que sonha algo Novo.

Ver o ato redentor de Deus, o ato final do sacrifício de Cristo na cruz do Calvário, através das lentes da Criação e da obra do Espírito Santo, desperta em nós o potencial da Nova Criação.” — Fujimura, em Arte + Fé: uma teologia do criar.

Desta forma, os artistas são como “espreitadores de fronteiras”, isto é, eles podem ajudar a mediar as realidade divididas e polarizadas e a trazer a totalidade da mensagem do Evangelho para a cidade. Sua arte pode funcionar como a própria mistura artesanal de laca e ouro que reaproxima as partes quebradas e gera nova beleza onde havia destruição. Para isso, podemos considerar que há 3 caminhos: a misericórdia e a beleza, para manifestar um amor que renova, e o evangelismo, para compartilhar a verdade de Cristo.

Construindo cultura para a Shalom

… o verdadeiro teste do poder do Evangelho para afetar nossa vida está no ‘resultado final” do que criamos no mundo por meio do amor.” — Fujimura, em Arte + Fé: uma teologia do criar.

Enquanto estamos criando para a Nova Criação, não podemos esquecer que nós não criamos a Nova Criação. Somente Deus pode fazer isso. Ele re-cria em amor (e com perfeição) aquilo que criamos deste lado da eternidade. Isto é, nossa arte é levada a Deus, como um presente para as Bodas do Cordeiro, sendo aperfeiçoada em seu grande amor, limpa de todo pecado. Assim, afirma Fujimura, o que criamos aqui, não será destruído, mas purificado. A Nova Criação carrega a manifestação autodoadora do amor de Deus.

Precisamos pensar então como nossa arte pode contribuir para revelar a Nova Criação e produzir Shalom em meio à Babilônia.

Na Arquitetura, podemos considerar uma Teologia do Lugar que antecipe aos peregrinos nossos destino a um lugar, contra o deslocamento e virtualidade atuais, promovendo contato com a natureza e participação comunitária.

Nas Artes Visuais, podemos participar na renovação litúrgica e trazer o Encantamento para nossas igrejas que cada vez mais se parecem com auditórios corporativos ou espaços de show. Entendemos a carga imagética do Cristianismo e o papel da arte na nossa relação de adoração com Deus. Entendendo que a riqueza artística do Tabernáculo e do Templo não se tratar apenas de verdades teológicas mas que também fazem parte da construção do imaginário cristão sobre o que é o Culto e o que ele faz em nós enquanto o fazemos.

Na Música, se faz necessário irmos além do rótulo mercadológico ‘gospel’ e fazer música que explora a ordem sônica criada por Deus, não somente produzir música de forma utilitária. è preciso reverter o giro antropocêntrico e buscar na sabedoria cristã a interseção da música no contexto de deleite humano e múltiplos usos socioculturais e o reflexo da glória do Criador e respeito pela ordem criada.

Nas Artes Performáticas, é preciso buscar uma compreensão do elemento encarnacional ali presente e a potencialidade da identificação mimética e da incorporação cinestética que encena as virtudes do Evangelho na vida prática.

No Cinema, precisamos entender o poder das narrativas para moldar o imaginário social e buscar, tanto na produção quanto na crítica, um diálogo que compreende a ação da Graça em todo o mundo.

Na Literatura, podemos explorar a Ficção como uma recuperação de uma visão clara da realidade perdida na familiaridade possessiva da vida antropocêntrica, voltando ao sentido de Encanto e, assim, escapar das limitações de nosso presente estado sem desertar da Realidade, ir além das sombras desse mundo, abrir a Realidade para um horizonte mais amplo.

a melhor arte não diz às pessoas no que crer, mas permite, por um instante, que vejam as coisas de um modo diferente, o (artista) cristão pode permitir às pessoas vislumbrar, por um momento, o mundo por meio de olhos que foram tocados por Cristo” — Steve Turner, em Cristianismo Criativo.

Para que tudo isso possa se tornar uma realidade, um artista cristão não pode trabalhar sozinho. Fujimura também fala da necessidade criarmos estuários culturais: quebrando com as bolhas do ‘gospel’ e criando um movimento cultura que é capaz de desenvolver, capital criativo, capital social e capital material. Fortalecendo-nos uns aos outros para que possamos testemunhar no campo da arte e da cultura como participantes do campo. Um Estuário é um espaço de diversidade onde as espécies são fortalecidas para enfrentarem ambientes mais hostis e desafiadores.

Necessidade de uma ação corporativa e orgânica no corpo de Cristo para uma inserção artística mais robusta. Carl Seerveld diz que precisamos de pastorais do artista, patronos cristãos das artes, trabalhar na criação de público e formação de plateia e também de uma teologia e espiritualidade esteticamente sensíveis. o Reflectum deseja ser parte desse movimento.

É preciso também, e mais do que tudo isso, ter o Espírito Santo. Para que estejamos sensíveis àquilo que Deus está fazendo.

A arte deve capturar a ‘substância das coisas pelas quais esperamos’… servindo à nossa cultura ao revelar a ‘evidência das coisas não vistas’ — Fujimura, Arte + Fé: uma teologia do criar

A temporada ‘Às Margens da Babilônia” está chegando ao fim, mas nossa exposição virtual continuará aberta.

Reflexões sobre arte, cultura e teologia. Pensando a prática e a pesquisa em arte dentro de uma cosmovisão cristã.

Rogo-vos pois [artistas] que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, esta é a [sua obra de arte]. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente…” Rm 12:1–2

Inscreva-se no Medium para receber notificações dos próximos artigos.
Siga-nos nas mídias sociais: TwitterInstagram

--

--

Reflectum

Reflexões sobre arte, cultura e teologia. Pensando a prática e a pesquisa em arte a partir da filosofia reformacional.