Coram Deo
Quem tem medo do “vírus” Zeitgeist?
Nos últimos dias, tem-se falado muito sobre o novo vírus que provocou uma pandemia. Há aqueles que, movidos pelo pânico, estocaram mantimentos esperando o apocalipse. Uns agem como se nada tivesse acontecendo e tornando-se uma perigo para si mesmo e outros mais vulneráveis. E há um terceiro grupo que movido por prudência, seguem as recomendações para contribuir com a saúde coletiva.
Entretanto há um outro “vírus” que nos cerca, e álcool gel 70% não vai inativá-lo: o zeitgeist. Em relação a ele, uns defendem o isolamento total, uma espécie de quarentena eterna. Outros um engajamento moderado, com prevenções. Há também aqueles que querem viver a ignorá-lo. Como agir diante desse outro “vírus” que está em nossa sociedade desde que existe sociedade?
O que é zeitgeist?
Zeitgeist é um termo alemão que significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos.
Quem sugeriu o conceito foi Johann Gottfried Herder, filósofo, escritor e pregador luterano, quando escreveu, em 1769, uma crítica ao trabalho Genius seculi do filólogo Christian Adolph Klotz. Ele introduzindo a palavra Zeitgeist como uma tradução para genius seculi (no latim: “espírito guardião do século”). Depois, Georg Wilhelm Friedrich Hegel popularizou o conceito com sua obra Filosofia da História, publicada em 1837.
De forma resumida, o Zeitgeist significa o conjunto do clima intelectual, sociológico e cultural de uma pequena região até a abrangência do mundo todo em numa certa época da história, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.
Assim, podemos relacionar o zeitgeist com a cultura de um povo em uma determinada época. O zeitgeist muda constantemente, por diversos motivos. O antropólogo Laraia afirma que a cultura é dinâmica.
O cristão e a cultura
Ao longo da história, vemos grupos de cristãos que buscam isolamento cultural, no desejo de não ser “influenciado” pelo Zeitgeist ou porque a cultura com um todo é vista como pecaminosa. Entretanto, esse isolamento não é possível na prática, pois é inevitável que “usemos” ao menos parte da cultura. A língua é um exemplo.
Para D. A. Carson, há alguns problemas nesse posicionamento:
1- ignora a graça comum;
2- leva a um reducionismo da santidade: deixando de ser um busca por ser mais parecido com Cristo e se tornando um extensa lista de “não pode”;
3- desconsidera a ação da Trindade no mundo e a própria missão da Igreja.
Isso não significa que devemos cair no extremo oposto e receber o zeitgeist de braços abertos com tudo o que ele traz. Se fizermos isso, iremos sacrificar partes importantes do cristianismo.
Como o que aconteceu com a Teologia Liberal que, na busca por ser relevante em tempos de iluminismo, deixou de lado a crença na divindade, nos milagres e na ressurreição de Cristo, consequentemente abandonando a Trindade. Outro exemplo é o gnosticismo, que “misturou” o cristianismo com filosofias pagãs, criticado por Paulo em suas cartas.
A liturgia e conteúdo do culto passariam a focar em fornecer um produto aprazível para o consumo do visitante. Se nos moldarmos ao zeitgeist, nos tornamos obsoletos no momento em que ele se modificar novamente.
Iremos então “pegar o melhor” da cultura e “dar a Deus”? Por mais que pareça correto, essa abordagem traz consigo a armadilha da absolutização do relativo, afirma D. A. Carson. Gêneros musicais passam a ser sacralizados enquanto que outros são demonizados (quem nunca ouviu “o rock é o diabo”?). É preciso muito cuidado aqui.
Como então nos relacionamos com o zeitgeist?
Conhecer para responder
Segundo F Schaeffer, cada geração se depara com esse problema de aprender como falar à sua época de maneira comunicativa.
“Esse é um problema que não pode ser resolvido sem uma compreensão da situação existencial, em constante mudança, com que se defronta. Para comunicar a fé cristã de modo eficiente, portanto, temos que conhecer e entender as formas de pensamento de nossa geração…..”
O único jeito de “derrotar o vírus” é estudá-lo.
Isso significa que devemos conhecer o zeitgeist que nos cerca. Precisamos entender como ele chegou a ser o que é hoje, “de onde veio”, que perigos ele pode trazer para a ortodoxia e como podemos nos comunicar com ele. Nossa tarefa é identificar o quê é estrutural e o quê é direcional, como afirma A. M. Wolters. O que está de acordo com as estruturas que Deus colocou na criação e o que foi distorcido pela Queda do ser humano.
F Schaeffer acreditava que ideias tem pernas. Movimentos filosóficos, eventualmente, se manifestam em fenômenos culturais.
Paulo é exemplo para nós. Em sua visita a Atenas, ao mesmo tempo em que aponta a idolatria daquele povo, ele cita poetas gregos em sua pregação. Ele conhecia a filosofia e a arte gregas e assim pode falar a eles de modo a ser ouvido e entendido.
Vivamos em diálogo e antítese.
Reflexões sobre arte, cultura e teologia. Pensando a prática e a pesquisa em arte dentro de uma cosmovisão cristã.
“Rogo-vos pois [artistas] que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, esta é a [sua obra de arte]. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente…” Rm 12:1–2
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